segunda-feira, 19 de julho de 2010

Fair-Play… outros tempos


Em 2003, já muitas corridas tinha eu visto, vi algo que me marcou no ciclismo e jamais esqueci. A célebre etapa de Luz Ardiden (daí vem a foto), num dos Tours com mais histórias engraçadas dos últimos anos. Lance Armstrong aproveitou o contra-relógio por equipas para passar para a frente de todos os seus adversários, apenas atrás do colega Victor
Hugo Peña, que tinha sido melhor no prólogo por um segundo. A partir daí, viu-se o Armstrong mais fraco dos sete Tours que venceu. No Alpe d’Huez perdeu tempo para Mayo e Vinokourov, na chegada a Ax-3 Domaines perdeu para Ullrich e Zubeldia (vitória de Sastre) e entretanto tinha perdido um contra-relógio. Ele, que nos quatro anos anteriores tinha vencido seis dos sete contra-relógios disputados nos Tour, em 2003 perdeu 1.36 minutos para Ullrich no primeiro crono, e deixou o seu maior adversário de água na boca.
Armstrong tinha apenas 15 segundos de vantagem para Ullrich e 18 para Vinokourov antes da etapa de Luz Ardiden (quando Beloki já estava afastado pela também célebre queda a caminho de Gap). Etapas para recuperar esse tempo, já só havia duas, a de Luz Ardiden e o contra-relógio do penúltimo dia, com 49 km. Na subida para a Luz Ardiden, depois de contra-atacar a investida do basco, Armstrong estava ao ataque com Mayo e Ullrich na roda quando o seu guiador ficou preso a um saco de um adepto. Caiu com Mayo e o Ullrich ficou na frente. O alemão podia ter acelerado, mas limitou-se, numa primeira fase, a manter um ritmo normal e, pouco depois, a esperar pelos caídos
, mesmo para isso tendo que ser alcançado por Hamilton, Basso e outros que seguiam ligeiramente mais atrasados no momento da queda. Não esperou por ser obrigatório mas sim por ser o mais correcto a fazer.
Mayo voltou a atacar, Armstrong voltou a contra-atacar e daquela vez foi sozinho. Venceu com 40 segundos de vantagem para Mayo, Ullrich e Zubeldia e, porque ainda havia bonificações, foi com 1.05 minutos de vantagem para o crono de Nantes.
Relembro esta situação porque hoje houve uma idêntica. Com a camisola amarela, Andy Schleck atacou e estava a ganhar vantagem, mas houve qualquer problema na corrente, Alberto Contador alcançou-o
e foi-se embora. Sem fair-play, sem respeito pelo camisola amarela que estava parado. Talvez porque tomei a etapa de Luz Ardiden como exemplo, ou porque simplesmente cada um tem a sua forma de ver as cosia, tenho uma opinião diferente da já apresentada pelo Diogo (já tinha dito que aqui tem a sua opinião e respeitamos todas elas).

Não se trata de ser justo ou não o seu acto, mas sim de não ter fair-play nem ética. O que quer que diga, eu tenho a etapa gravada e já a revi vezes suficientes. Pouco antes do ataque, ele estava perto do Andy Schleck e não ficou para trás por ter sido surpreendido mas sim por não ter capacidade para ir na roda (é o 2º Astana na 2ª foto, que mostra a distância mesmo com Andy já a parar). Quando o Contador passou pelo Schleck, já o Schleck estava quase parado. O Contador diz que não sabia do problema. Terá pensado que o Andy ia beber café? Que ia desistir?
O Contador chegou à camisola amarela que tanto queria. No pódio foi assobiado pelos adeptos. Contador no pódio para vestir a camisola amarela lembra-me a última Volta ao Algarve, em que ele tirou a camisola das mãos da rapariga que a segurava porque não tinha paciência para esperar. Quando o patrocinador da corrida chegou ao pódio para lhe dar a camisola, já ele a tinha vestido sozinho. Um gesto que não gostei, como não gostaram hoje alguns ciclistas e agentes da modalidade.
Claro que o Fuglsang não é imparcial e não é de admirar que diga que “as ‘palavras’ das pessoas para o Contador estão certas” (referindo-se aos assobios). Mas mais imparcial é o Klöden, que, embora ex-colega de Contador, diz que “não foi uma boa atitude do Alberto”. Mas a opinião com que eu mais concordo é a de Gerard Vroomen, co-fundador da Cervélo (empresa e equipa). Diz ele que “Contador não tinha que esperar. Seria apenas bonito” e que “Contador apenas ganhou uma grande oportunidade de vencer, mas perdeu a oportunidade de vencer com nobreza”.
Já o Andy Schleck diz que a camisola merece honra e que agora só quer olhar para a frente e para novas oportunidades de ataque.

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